6 de fev. de 2011


Desiderata
"Siga tranquilamente entre a inquietude e a pressa, lembrando-se de que há sempre paz no silêncio. Tanto quanto possível sem humilhar-se, mantenha-se em harmonia com todos que o cercam.
"Fale a sua verdade, clara e mansamente.
"Escute a verdade dos outros, pois eles também têm a sua própria história.
"Evite as pessoas agitadas e agressivas : elas afligem o nosso espírito. Não se compare aos demais, olhando as pessoas como superiores ou inferiores a você : isso o tornaria superficial e amargo.
"Viva intensamente os seus ideais e o que você já conseguiu realizar. Mantenha o interesse no seu trabalho, por mais humilde que seja ele é um verdadeiro tesouro na contínua mudança dos tempos.
"Seja prudente em tudo o que fizer, porque o mundo está cheio de armadilhas. Mas não fique cego para o bem que sempre existe. Em toda parte, a vida está cheia de heroísmo.
"Seja você mesmo.
"Sobretudo, não simule afeição e não transforme o amor n'uma brincadeira, pois, no meio de tanta aridez, ele é perene como a relva.
"Aceite, com carinho, o conselho dos mais velhos e seja compreensivo com os impulsos inovadores da juventude.
"Cultive a força do espírito e você estará preparado para enfrentar as surpresas da sorte adversa. Não se desespere com perigos imaginários : muitos temores têm sua origem no cansaço e na solidão.*
"Ao lado de uma sadia disciplina conserve, para consigo mesmo, uma imensa bondade.
"Você é filho do Universo, irmão das estrelas e árvores, você merece estar aqui e, mesmo se você não pode perceber, a Terra e o Universo vão cumprindo o seu destino.
"Procure, pois, estar em paz com Deus, seja qual for o nome que você lhe der. No meio do seu trabalho e nas aspirações, na fatigante jornada pela vida, conserve, no mais profundo do seu ser, a harmonia e a paz.
"Acima de toda mesquinhez, falsidade e desengano, o mundo ainda é bonito.
"Caminhe com cuidado, faça tudo para ser feliz e partilhe com os outros a sua felicidade."

Desiderata - do Latim "Desideratu" : aquilo que se deseja, aspiração.
Este texto foi encontrado na velha Igreja de Saint Paul, Baltimore, datado de 1692.
* Este trecho do texto foi inserido na música "Há Tempos", no álbum "As Quatro Estações" do grupo Legião Urbana.





MISTÉRIO

Há vozes dentro da noite que clamam por mim,
Há vozes nas fontes que gritam meu nome.
Minha alma distende seus ouvidos
E minha memória desce aos abismos escuros
Procurando quem chama.
Há vozes que correm nos ventos clamando por
                                                   [ mim.
Há vozes debaixo das pedras que gemem meu
                                                   [ nome
E eu olho para as árvores tranqüilas
E para as montanhas impassíveis
Procurando quem chama.
Há vozes na boca das rosas cantando meu nome
E as ondas batem nas praias
Deixando exaustas um grito por mim
E meus olhos caem na lembrança do paraíso
Para saber quem chama.
Há vozes nos corpos sem vida,
Há vozes no meu caminhar,
Há vozes no sono de meus filhos
E meu pensamento como um relâmpago risca
O limite da minha existência
Na ânsia de saber quem grita.

                          De Cantos da Angústia (1948)


REPOUSO

Dá-me tua mão
E eu te levarei aos campos musicados pela
                                     [ canção das colheitas
Cheguemos antes que os pássaros nos disputem
                                     [ os frutos,
Antes que os insetos se alimentem das folhas
                                     [ entreabertas.
Dá-me tua mão
E eu te levarei a gozar a alegria do solo
                                     [ agradecido,
Te darei por leito a terra amiga
E repousarei tua cabeça envelhecida
Na relva silenciosa dos campos.
Nada te perguntarei,
Apenas ouvirás o cantar das águas adolescentes
E as palavras do meu olhar sobre tua face muito
                                     [ amada.

                          De As Fronteiras da Quarta Dimensão (1951)
ESCULTURA

Eu já te amava pelas fotografias.
Pelo teu ar triste e decadente dos vencidos,
Pelo teu olhar vago e incerto
Como o dos que não pararam no riso e na
                                             [ alegria.
Te amava por todos os teus complexos de
                                             [ derrota,
Pelo teu jeito contrastando com a glória dos
                                             [ atletas
E até pela indecisão dos teus gestos sem
                                             [ pressa.
Te falei um dia fora da fotografia
Te amei com a mesma ternura
Que há num carinho rodeado de silêncio
E não sentiste quantas vezes
Minhas mãos usaram meu pensamento,
Afagando teus cabelos num êxtase imenso.
E assim te amo, vendo em tua forma e teu olhar
Toda uma existência trabalhada pela força
                                       [ e pela angústia
Que a verdade da vida sempre pede
E que interminavelmente tens que dar!...

                          De A Mulher Ausente (1940)
POEMA NATURAL

Abro os olhos, não vi nada
Fecho os olhos, já vi tudo.
O meu mundo é muito grande
E tudo que penso acontece.
Aquela nuvem lá em cima?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Ontem com aquele calor
Eu subi, me condensei
E, se o calor aumentar, choverá e cairei.
Abro os olhos, vejo um mar,
Fecho os olhos e já sei.
Aquela alga boiando, à procura de uma pedra?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Cansei do fundo do mar, subi, me desamparei.
Quando a maré baixar, na areia secarei,
Mais tarde em pó tomarei.
Abro os olhos novamente
E vejo a grande montanha,
Fecho os olhos e comento:
Aquela pedra dormindo, parada dentro do
                                            [ tempo,
Recebendo sol e chuva, desmanchando-se ao
                                            [ vento?
Eu estou lá,
Ela sou eu.

                          De Poemas (1937)